terça feira a tarde

Terça-feira, cinco horas da tarde. Apenas três alunas comigo, em meu atelier de encadernação. Tarde tranquila, divertida, Rod Stewart com sua voz sexy servindo de fundo musical e pretexto para quatro mulheres solitárias falarem de suas vidas amorosas. Aliás com muito bom humor!
Deixo minhas alunas trabalhando e vou até o computador para me comunicar com meus filhos pelo facebook. Quando aperto o enter para encerrar nossa conversa, sinto algo estranho: minha cabeça e meu braço esquerdo começam a formigar e um mal-estar enorme toma conta de mim. Então me levantei, fui até a sala onde estavam minhas alunas e disse: “não estou me sentindo bem, meninas”.
Imediatamente me dei conta da eficiência dessas lindas criaturas, que tenho o prazer de ter como amigas. Logo estava sentada em minha poltrona Berger (que tenho para descansar no intervalo de minhas aulas) com as pernas para cima, delicadamente acariciadas pelas mãos de Martha, que tentava esconder de mim o seu nervosismo diante daquela situação. Ana Lúcia, pondo em prática algo que havia escutado em um programa desses sobre saúde, espetava meus dedos da mão esquerda para que sangrassem, e massageava meu braço numa tentativa de que tudo voltasse ao normal. Maria Celina, com seu espírito pragmático, ligava para o Dr. Fernando, meu clínico, e para meu ex-marido José Carlos, certamente para que a orientassem no passo seguinte. 
Naquele breve tempo de espera, minha perna esquerda também já não respondia ao meu comando. Lembro-me de ter pensado, olhando através da janela, para aquele verde que sempre cumpriu com a tarefa de me alegrar e de me fazer começar meu dia de trabalho com entusiasmo e criatividade…  – Então é isso? Tudo se acaba assim? Achei que meu corpo estava me abandonando, que minha existência estava chegando ao fim.
Descemos de elevador, eu amparada por minhas amigas, e ficamos esperando o José Carlos chegar para nos levar ao Pró-Cardíaco. Chegamos ao hospital em poucos minutos. Tudo já havia sido providenciado. O médico de plantão começa a me fazer perguntas; tento responder para facilitar seu parecer, mas ao mesmo tempo me perguntava se não seria melhor fazer logo alguns exames. Notava que, ao falar, minha boca começava a entortar. Apesar de não ter verbalizado essa questão, ele decidiu me internar. Agora, eu podia ler em seus olhos, “esta mulher não tem nada, mas já que está aqui e com tantas recomendações, vamos lá!”. Ressonância, testes neurológicos, exame de sangue. Tudo parecia normal. De qualquer modo, você vai permanecer em observação até amanhã, e aí então faremos alguns exames complementares. Assim foi feito.
Exames do coração. Bem, parece que temos uma dúvida aqui. Vamos precisar de outro exame para descartarmos qualquer possibilidade. OK! Já havia me decidido, na véspera, me entregar a eles, afinal de contas eu queria viver.
Um intervalo de algumas horas para o exame em questão. Chegou a hora do exame, enfermeiros entrando com equipamentos, cadeira. Uma cânula enorme com câmera é apoiada sobre a minha cama, pela médica assistente. Entra então o médico chefe e diz, “não quero este aparelho”. Para encurtar a história, dentro de um quarto pequeno de hospital, no qual me encontrava só, naquele momento, senti um certo pânico, com toda aquela confusão e toda aquela gente. Médicos, enfermeiros, todos me tratando como se eu fosse um pedaço de algo, e ainda alguns alunos que prestavam atenção ao que o médico-chefe dizia. Naquele momento senti que meu corpo servia apenas para ilustrar uma parte de uma aula de anatomia ou algo do gênero. Então, finalmente me sedaram . Quando acabaram de realizar o exame, o médico-chefe me acordou e disse: “está tudo bem querida, não era nada”. Não voltei mais a vê-lo depois disso. Quando acabou o efeito da sedação, entrou em meu quarto uma fonoaudióloga, para fazer alguns testes. Para ver se apesar da minha paralisia facial eu poderia comer algo. Foi quando percebi, ao deglutir, que haviam me machucado com aquela cânula enorme. 
Bem, finalmente, exames e testes chegaram ao fim! Pude então almoçar umas papinhas horrorosas. E como prêmio por ter suportado tudo aquilo com dignidade, ALTA, pode ir para casa. Sem diagnóstico doutor? Sim, sem diagnóstico.
Tive que aceitar, ao final das contas, quantas vezes ficamos sem respostas.
 
Monica Iriarte