Acabo de por sob a minha língua um comprimidinho de Rivotril de 0,25mg, numa tentativa de que isso me devolva uma certo bem-estar. Que tire de meu peito essa angustia que vem me maltratando nos últimos anos.
Estou sentada na poltrona do meu quarto com as pernas sobre o pufe, olhando para as paredes, mais precisamente para meus quadros. Tenho uma reprodução de um quadro de Picasso que gosto muito, mulher passando a ferro, bastante dramático! Acima dele, uma xilogravura de uma menina olhando para uma flor, suave e delicada. Na mesma parede, do outro lado da cama, uma gravura grande de uma menina olhando com curiosidade e espanto para os seios de uma mulher; na verdade, acho que as duas são a mesma pessoa, a menina que se transformou em mulher.
Olho para as mesinhas de cabeceira e vejo algumas das caixas de madeira que coleciono. Uma caneta vermelha que comprei na última viagem que fiz à Paris. Um bloco para anotações, o telefone, um porta copos e o abajur.
Na estante, livros que comprei, outros que ganhei. Minha última aquisição foi uma anjinha linda que carrega um cesto de frutas, que comprei na minha recente viagem à Colômbia. Coloquei-a ao lado do meu anjo barroco que comprei há muitos anos em Tiradentes, pois sempre o achei muito solitário. Não sou religiosa, mas gosto de anjos. Estou certa que isso vem desde a minha infância. Nunca esquecerei uma história que meu pai contou da infância dele que envolvia anjos. Ele tinha uma amiga que vivia próximo à casa dele. Não me recordo de seu nome, mas me lembro bem que ela estava muito doente. Meu pai ia diariamente visitá-la. Um dia ele entrou no quarto, se sentou à beira da cama de sua amiguinha e instantes depois ela pediu a ele que abrisse a janela. Ele a olhou e disse que não podia, pois estava muito frio e isso não seria nada bom. Ela insistiu, dizendo que os anjos queriam entrar. Meu pai olhou-a um pouco assustado e então abriu a janela por alguns instantes. Depois de fechá-la voltou a se sentar ao lado da menina, segurou sua mão, ela o olhou com um semblante tranquilo e partiu com seus anjos. Lembro-me dos olhos dele marejarem.
Olho para as portas de espelho do meu guarda-roupa, que ocupam toda uma parede. Vejo então meu quarto, que já é grande, duplicado, e também vejo árvores ali refletidas, e como não me ver ali igualmente refletida. Como a menina do meu quadro, olho-me com curiosidade e espanto. Tenho me perguntado por que os cinquenta anos estão sendo tão dramáticos para mim. Será como a adolescência? Aquela fase em que você não é mais criança, mas ainda não é adulta? Os cinquenta serão a adolescência da madureza, em que você já é adulta e madura, mas ainda não é velha?
Fica aí uma questão para os psiquiatras do Libero Pensiero!!!
— Monica Iriarte